Desde abril, o setor automotivo está atento a possíveis mudanças na produção de combustíveis, com o anúncio feito pelo ministro de Minas e Energia sobre o projeto de aumento do teor de álcool na gasolina. A proposta faz parte do programa nacional de redução de emissões de carbono na atmosfera, uma meta global na qual o Brasil é um forte protagonista.
A transição energética foi uma das pautas de destaque da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP27), ocorrida em novembro de 2022, e tem como principal frente a substituição de combustíveis fósseis (gasolina) por renováveis (etanol).
Como maior produtor de cana-de-açúcar do mundo – matéria-prima do etanol – e referência na produção de etanol de milho, o Brasil tem alto potencial de fornecer combustível renovável para o mercado e contribuir para a redução das emissões, visando mitigar as mudanças climáticas.
Por outro lado, para o consumidor, a gasolina continua sendo mais vantajosa, visto que a relação entre a eficiência do combustível – capacidade de quilômetros rodados por litro – e o preço faz com que o combustível fóssil entregue um melhor custo-benefício do que o etanol.
Assim, para melhorar os índices das emissões de carbono e bater as metas ambientais, o aumento do teor do etanol na gasolina está sendo considerado. Até aí, é compreensível. No entanto, as dúvidas que ficam são: essa mudança interfere na performance dos automóveis? Os motores estão adaptados para receber esse tipo de gasolina? Como isso pode impactar nas vendas de veículos?
Para entender como a proposta, se aprovada, pode interferir no mercado de autos brasileiro, continue a leitura. A seguir, trataremos do que se sabe até então sobre o projeto e de como concessionárias, revendedoras e consumidores poderão se adaptar à nova determinação do teor de álcool na gasolina.
Qual o teor de álcool na gasolina? Um breve histórico
Não é de hoje que o Brasil aumenta o teor de etanol na gasolina como uma política ambiental – para diminuir a demanda por combustíveis provenientes do petróleo (gasolina e diesel) e para impulsionar a produção agrícola, expandindo a demanda por produtos que vêm das lavouras (cana e milho para o etanol, e soja para o biodiesel).
No começo dos anos 2000, o país já possuía uma das gasolinas com maior teor de álcool do mundo, com a instituição da Lei 10.203/01, que fixava a gasolina E24 (composta por 24% de etanol). A medida foi acompanhada por uma política de substituição das frotas, pois os motores dos veículos dos anos 80 e 90 não performaram bem com essa composição do combustível. Por isso, o Brasil criou os motores flex e os difundiu pelo país, a fim de oferecer uma tecnologia que suportasse a mistura, sem danos à motorização dos veículos.
Em 2015, foi instituída a gasolina E27, enquanto grande parte dos outros países ainda trabalhava com gasolina E10 (10% de etanol). Essas mudanças do teor de álcool na gasolina foram bem administradas, com o setor automotivo e o agrícola em harmonia para que os impactos ao consumidor final fossem mínimos.
Hoje, com a ideia de uma gasolina E30, há a perspectiva de que 2,8 milhões de toneladas de CO2 sejam evitadas por ano. São medidas como essa que permitem, por exemplo, que a cidade de São Paulo, uma das mais populosas do mundo e com um dos trânsitos mais movimentados, não esteja na lista das com piores índices de qualidade do ar.
O que preocupa, entretanto, é a capacidade dos veículos em suportar esse combustível. Vale destacar que o projeto do aumento de teor de etanol na gasolina está em fase de estudos. Especialistas de todos os setores estão reunidos em um grupo de trabalho para analisar a viabilidade da mudança e o que mais precisará ser ajustado para incorporá-la.
Quais motores vão suportar o aumento do teor de etanol na gasolina?
Aqueles que são contra a instituição da gasolina E30 defendem que a motorização dos veículos não está pronta para tal combustível. O argumento mobilizado é que a nova composição poderia diminuir a eficiência de modelos mais antigos, anteriores à era flex, e de automóveis importados de países que não aplicaram mudanças de transição energética tão incisivas quanto as brasileiras e ainda trabalham com gasolina E10.
A nova determinação do teor de etanol na gasolina não impactaria os carros com motores flex, tecnologia exclusivamente brasileira – um avanço gigante da engenharia nacional. Esses automóveis representam hoje 85% da frota nacional de veículos leves, com 83% de participação nas vendas, de acordo com a Anfavea (Associação dos Fabricantes de Veículos Automotores). Afinal, eles são preparados para rodar com qualquer um dos combustíveis, de maneira que a gasolina E30 não interferiria na vida útil do motor.
Todavia, carros mais antigos, com motor à gasolina, podem sim ser impactados pelo uso de um combustível com uma porcentagem tão alta de etanol. O mesmo se pode afirmar para os importados, cuja motorização foi preparada para receber gasolina E10. Nesses casos, o recomendável seria o uso da gasolina premium, que, mesmo assim, possui um teor de etanol elevado (25%) se comparado ao que os motores foram preparados para receber.
Gasolina E30 e os impactos para revendedores, concessionárias e consumidores
Para analisarmos danos ou vantagens que a mudança poderia causar, é possível tomar como exemplo a experiência de 2015, quando a legislação definiu a gasolina E27, que foi inserida no mercado gradativamente. Na época, muitos foram os que levantaram a voz para afirmar que tal teor de álcool na gasolina causaria prejuízos à indústria automotiva, às revendedoras e concessionárias, e aos consumidores.
O que aconteceu, na verdade, é que a mudança foi aplicada sem grandes consequências. A frota de automóveis não precisou ser renovada repentinamente, afinal, a política dos veículos flex já estava em andamento, de maneira que não houve muitos impactos abruptos para nenhum dos envolvidos na cadeia de produção.
Veículos seminovos e usados também não foram abandonados – quantos milzinhos dos anos 90 não vemos hoje rodando por aí? Muito menos foi necessário abrir mão dos carros importados, pelo contrário, as vendas nesse segmento aumentaram 95% em 2023, segundo a Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa), e isso com a gasolina E27 já amplamente distribuída no Brasil.
Acontece que, um novo aumento do teor de álcool na gasolina impactaria muito pouco revendedoras e concessionárias, visto que a maior parte da frota e dos veículos disponíveis para venda já têm motor flex. Seguindo o mesmo raciocínio, a mudança não interfereria na escolha da maioria dos consumidores.
De toda forma, uma gasolina E30 nos postos gera sim necessidade de adaptação, sendo fundamental modernizar o setor cada vez mais, por meio de:
- oferta de carros usados a partir de 2003 – quando os motores já tinham tecnologia que privilegiava os combustíveis renováveis;
- preferência por veículos nacionais – adequados ao cenário do mercado brasileiro;
- adaptação de carros antigos de coleção – esses sim podem ser prejudicados se rodarem com gasolina E30;
- importação de veículos que não sejam movidos à gasolina, dando prioridade a motores híbridos, elétricos, GNV, flex ou 100% etanol.
Esse checklist de como concessionárias, revendedoras e consumidores podem se acomodar a uma eventual mudança do teor de etanol na gasolina reflete muito os objetivos da própria medida. Ela busca colocar o Brasil à frente da transição energética, sendo cada vez menos dependente de tecnologias estrangeiras e de combustíveis derivados do petróleo, tão prejudiciais ao meio ambiente.
A modernização do mercado automotivo a um passo da sustentabilidade
Aperfeiçoar a mobilidade urbana é uma das frentes de vanguarda para evitar uma catástrofe climática a longo prazo e diminuir os efeitos negativos que as mudanças no clima já estão causando no mundo atualmente. Como fonte não renovável, o petróleo ainda corre risco de escassez, e quando a oferta de gasolina recuar por falta de matéria-prima, adivinha qual país não será gravemente afetado? O Brasil, é claro, que está, há décadas, antecipando as medidas para ampliar o uso do etanol e de outros combustíveis renováveis.
Além disso, com a capacidade que o Brasil possui para produzir cana-de-açúcar e milho – temos a maior extensão de terras agricultáveis do mundo! – e com alta eficiência nas usinas para processar esses produtos e transformá-los em um combustível sustentável de qualidade, não há nada mais inteligente do que incentivar que a mobilidade urbana se baseie nessas fontes de energia.
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Por fim, essa é mais uma tendência do mercado automotivo que o ano de 2023 traz para o Brasil. Navegue pelo Dicas OLX Autos e leia mais análises sobre o setor que vão ajudar a acelerar o seu negócio!
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